sábado, 11 de setembro de 2010

A Sombra do Vento

A sombra do vento "A Sombra do Vento" é uma narrativa de ritmo eletrizante, escrita em uma prosa ora poética, ora irônica. Ambientado na Barcelona franquista da primeira metade do século XX, entre os últimos raios de luz do modernismo e as trevas do pós-guerra, o romance de Zafón é uma obra sedutora, comovente e impossível de largar. Além de ser uma grandiosa homenagem ao poder místico dos livros, é um verdadeiro triunfo da arte de contar histórias.
Tudo começa em Barcelona, em 1945. Daniel Sempere está completando 11 anos. Ao ver o filho triste por não conseguir mais se lembrar do rosto da mãe já morta, seu pai lhe dá um presente inesquecível: em uma madrugada fantasmagórica, leva-o a um misterioso lugar no coração do centro histórico da cidade, o Cemitério dos Livros Esquecidos. O lugar, conhecido de poucos barceloneses, é uma biblioteca secreta e labiríntica que funciona como depósito para obras abandonadas pelo mundo, à espera de que alguém as descubra. É lá que Daniel encontra um exemplar de "A Sombra do Vento", do também barcelonês Julián Carax. O livro desperta no jovem e sensível Daniel um enorme fascínio por aquele autor desconhecido e sua obra, que ele descobre ser vasta. Obcecado, Daniel começa então uma busca pelos outros livros de Carax e, para sua surpresa, descobre que alguém vem queimando sistematicamente todos os exemplares de todos os livros que o autor já escreveu. Na verdade, o exemplar que Daniel tem em mãos pode ser o último existente. E ele logo irá entender que, se não descobrir a verdade sobre Julián Carax, ele e aqueles que ama poderão ter um destino terrível.

 

Confesso que apesar de o nome me chamar a atenção, não fazia lá muita questão de ler este livro. Até que minha irmã pegou na biblioteca e me mostrou isso:


Cada livro, cada volume que você vê, tem alma. A alma de quem o escreveu, e alma dos que o leram, que viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro troca de mãos, cada vez que alguém passa os olhos pelas páginas, seu espírito cresce e a pessoa se fortalece. Faz muitos anos que meu pai me trouxe aqui pela primeira vez, este lugar já era velho. Quase tão velho quanto a própria cidade. Ninguém sabe ao certo desde quando existe ou quem o criou. Conto a você o que me contou meu pai. Quando uma biblioteca desaparece, quando uma livraria fecha suas portas, quando um livro se perde no esquecimento, nós, guardiãos, os que conhecemos este lugar, garantimos que ele venha para cá. Neste lugar, os livros que ninguém se lembra, os livros que se perderam no tempo, viverão para sempre, esperando chegar algum dia às mãos de um novo leitor, de um novo espírito. Na loja, nós os vendemos e compramos, mas na verdade os livros não têm dono. Cada livro que você vê aqui foi o melhor amigo de um homem. Agora só têm a nós, Daniel. Você acha que poderá guardar este segredo?

 

Me fisgou na hora, e ainda bem, porque descobri mais um dos meus favoritos neste livro delicioso. Li em uma semana, mas não queria largar por nada, e quando acabei, me sentia como se tivesse sido atropelada por um caminhão. No bom sentido. Como aprendi nas minhas aulas de Clássicos na faculdade, ler A Sombra do Vento foi como uma tragédia grega, que tinha por objetivo causar a catarse. E foi exatamente a mesma coisa para mim a leitura deste livro.

O encantamento do começo, da primeira vez que Daniel vai com seu pai ao Cemitério dos Livros Esquecidos é suficiente para hipnotizar o leitor. Mas melhora muito depois que ele cresce. Aí sim fica viciante. Feriado de 7 de setembro: li a manhã inteira, e, mesmo cansada, não queira parar por nada.

Daniel é um rapaz sensível, introspectivo, e quieto. Mas ao mesmo tempo, arde dentro dele uma paixão que aparece nos momentos mais delicados do livro. E é com essa paixão que ele sai em busca de Julián Carax, sem descanso. Busca essa que vai se mostrar cada vez mais perigosa.

Ajudando Daniel em sua busca está Fermín Romero de Torres, um mendigo que recebe a ajuda de Daniel e seu pai, e passa a ser o melhor amigo de Daniel. Fermín diz que era espião, e tem um passado misterioso, mas uma coisa é certa: ele sofreu horrores, mas ainda assim encontra poesia na vida. Ele é provavelmente o personagem mais otimista do livro. São dele algumas das pérolas mais preciosas do livro, como dizer que o cinema e a TV são o anticristo (ele não sabia quanto estava certo). Isso até que vislumbra os encantos das atrizes, passando daí a ser frequentador assíduo. Suas opiniões sobre tudo são coloridas e cheias de ironia, deliciosas de se ler. Rendeu boas risadas.

Beatriz Aguilar é outra que ajuda Daniel em sua missão. Ela é como um raio de sol na cinzenta e chuvosa Barcelona do pós-guerra de Daniel. Moça inteligente e um tanto misteriosa, ela compartilha com Daniel a mesma paixão da busca por Julián. Beatriz é irmã de Tomás Aguilar, amigo de infância de Daniel, o que irá causar certos problemas para o último.

Mas, apesar de gostar muito de Bea, a melhor personagem feminina é Nuria Monfort. Mulher forte e apaixonada por Julián, ela passa por todo o inferno por causa de seu amor. É ela que vai esclarecer a maior parte do mistério que é Julián Carax.

E por falar em Julián, é impossível não se apaixonar por ele. Jovem humilde, consegue chegar próximo à elite barcelonense de antes da guerra através dos favores de Ricardo Aldaya. Mas, como no good deed goes unpunished (desculpem, mas não consegui encontrar expressão semelhante em português. Significa que tudo tem seu preço), esses favores vão custar muito caro a Julián, Mais do que ele imagina. E dá para entender o fascínio que ele exerce sobre todos. Mesmo com as atrocidades que ele comete, é impossível não se apiedar e se comover com sua história. Mais ou menos como o Fantasma da Ópera, que comete diversos assassinatos, mas a gente torce por ele no final. E devo confessar que me deu uma vontade imensa de ler os romances de Julián Carax.

Mas o meu preferido é Miquel Moliner, amigo de escola de Julián. E que amigo. O melhor que alguém pode querer. Miquel é um jovem rico com simpatia por Marx e Freud, e acima de tudo, é altruísta e faz de tudo por seu amigo. Nas palavras dele mesmo: tudo que é meu é seu, menos os sonhos. Pena que ele não apareça muito, mais na segunda metade do livro. Ele tem o dom de ver através das pessoas, o que o torna ainda mais adorável. Ele tinha escolhas e escolheu a mais difícil.

Vale ainda destacar Francisco Javier Fumero. Não haveria história se não fosse por Fumero. Inspetor da polícia, é um homem ardiloso, que faz alianças de acordo com sua conveniência, e é mesquinho. Foi amigo de Julián e Miquel na escola, e como Julián, era de família humilde. Mas ao contrário deste, não despertava o mesmo fascínio, e tem uma inveja insana de Julián. Miquel foi o único que viu Fumero por quem ele realmente é.

Brincando com o sobrenatural, o livro tem passagens de arrepiar, misturadas com poesia, de modo que se torna uma leitura interessante e deliciosa.

Trilha sonora

Como já disse antes, uma óbvia é The Phantom of the Opera, em qualquer versão (filme, peça ou Nightwish) O verso the phantom the opera is here/ inside my mind diz tudo. É de Christine, mas bem poderia sair dos lábios de Daniel ou, principalmente, de Nuria. Ainda All I need, do Within Temptation, It is what it is, do meu querido Lifehouse, e Could it be any harder, do The Calling. O palacete dos Aldaya, que é quase como um personagem na história também merece uma música, que para mim seria a que toca nas Minas de Moria em A Sociedade do Anel.

Nota histórica

A guerra Civil Espanhola iniciou-se em 1936. De um lado, estavam as lideranças políticas, que na época eram a Igreja Católica, os militares e os latifundiários. Como resultado da crise de 29 (a quebra da bolsa de NY), o ditador Primo de Rivera cai, bem como a monarquia (que só mantinha o poder graças à intervenção militar), obrigando o Rei Alfonso XIII a se exilar e instaurar a República. A esperança era de que a Espanha pudesse se modernizar e alinhar-se aos vizinhos ocidentais, mas isso não aconteceu. O resultado disso foi um violento choque de classes e idealismos diferentes, que eclodiriam na guerra, que foi particularmente violenta em Barcelona, e que eventualmente colocaria o General Francisco Franco no poder. A guerra durou 3 anos, até 1939, e, sem nem se recuperar desse conflito, eclode a Segunda Guerra Mundial, aumentando ainda mais a crise na Espanha. Para saber mais: Guerra Civil Espanhola e A Guerra Civil na Espanha

Se você gostou de A Sombra do Vento, ode gostar também de:

  • A menina que roubava livros – Markus Zusak
  • Histórias Extraordinárias – Edgar Allan Poe
  • O jogo do anjo – Carlos Ruiz Záfon

5 comentários:

Anônimo disse...

Olá,
Gostei de seu espaço.Porque achei seus gostos parecidos com o meu.
Ontem estive por aqui e peguei sua dica de A Sombra do Vento.Por enquanto, estou lendo no pc. Para mim é um desafio, gosto tanto do livro físico. Voltarei para comentar posso?Quando terminá-lo.
Abç
Orquidea.

Anônimo disse...

Depois desses graves problemas, a Espanha ficou maravilhosa, assim como a maioria dos países da Europa. Castigados pelas grandes guerras.
Hoje, lamentável, que a Espanha, Portugal... enfim... a situação na Europa volta a ficar numa situação difícil. Mas nunca mais, espero eu, em uma guerra como no passado.
Abç
Orquidea

Fernanda Cristina Vinhas Reis disse...

Olá Orquídea!

Por favor volte! Comentártios como o seu sào sempre bem-vindos! Este livro é mesmo um dos melhores que eu já li na vida. Amei, e já tenho O Jogo do Anjo, do mesmo autor, na estante, de tanto que gostei. Ainda bem que esses países se recuperaram. Eu ainda não fui para a Espanha, mas quero muito. Portugal é maravilhoso, um dia vou voltar pra lá (eu visitei em 98). E minha família é portuguesa, então a vontade de voltar é imensa.

Volte também para ler outras resenhas e faça outros comentários. Como eu disse, eles são muito bem-vindos!

Beijos!

Fernanda

Victor18 disse...

Parece muito interessante!Mas deixa eu ver se entendi:É uma trilogia?Junto com O Jogo do Anjo e O prisioneiro do Céu?
A propósito seu blog é MUITO BOM!
Continue com o ótimo trabalho!

Fernanda Cristina Vinhas Reis disse...

Oi Vitor!

É uma trilogia, sim, mas você pode ler em qualquer ordem. Só recomendo que leia O jogo do anjo ou A sombra do vento antes de ler O prisioneiro do céu. A ordem, você escolhe :)

Meu preferido é A sombra do vento, mas todos são muito bons. Zafón já é um dos meus autores favoritos.

Muito obrigada pelo comentário. Seja muito bem vindo e volte sempre!

Beijos!

Fernanda