sexta-feira, 3 de julho de 2015

A Cabana - William P. Young

Durante uma viagem que deveria ser repleta de diversão e alegria, uma tragédia marca para sempre a vida de a família de Mack Allen: sua vida mais nova, Missy, desaparece misteriosamente. Depois de exaustivas investigações, indícios de que ela teria sido assassinada são encontrados numa velha cabana. 

Imerso numa dor profunda e paralisante, Mack entrega-se à Grande Tristeza, um estado de torpor, ausência e raiva que, mesmo após quatro anos do desaparecimento da menina, insiste em não diminuir.

Um dia, porém, ele recebe um estranho bilhete, assinado por Deus, convidando-o para um encontro na cabana abandonada. Cheio de dúvidas, mas procurando um meio de aplacar seu sofrimento, Mack atende ao chamado e volta ao cenário de seu pesadelo. 

Chegando lá, sua vida dá uma nova reviravolta. Deus, Jesus e o  Espírito Santo estão à sua espera para um "acerto de contas" e, com imensa benevolência, travam com Mack surpreendentes conversas sobre vida, morte, dor, perdão, fé, amor e redenção, fazendo-o compreender alguns episódios mais tristes de sua história.

Intenso, sensível e profundamente transformador, este livro vai fazer você refletir sobre o poder de Deus, a grandeza de se amor por nós e o sentido de todo o sofrimento que precisamos enfrentar ao longo da vida.

Começo esta resenha dizendo que só li este livro porque minha psicóloga falou para eu ler. E entendo porquê. Também esclareço que respeito TODA e qualquer crença. Posso não concordar, mas respeito. E reconheço que várias coisas no livro me chamaram atenção, encho o meu de marquinhas. Mas não gostei do livro. Achei doutrinador demais, ele quer a todo custo te provar que você só encontra a paz e a libertação através de Jesus. E, segundo o livro, até Deus mesmo deve obediência a ele. Mas vamos do começo.

Não vou recontar a história porque ela está toda aí em cima. Uma coisa que me incomodou logo de cara é o fato de usar a expressão "Grande Tristeza". Por favor, dê nome aos bois: depressão. Esse termo que o autor achou me soa muito condescendente, e como tal, coloca o próprio em posição superior a quem sofre desse mal, diminuindo a significância dessa doença. Tristeza é um estado passageiro. Depressão é uma doença séria, silenciosa, e que pode ter consequências graves para quem sofre dela, e também para quem convive com ela. Por isso, um pouco mais de respeito seria de bom tom.

Depois, para um cara que se diz cético, que perdeu a fé em Deus muito tempo atrás, Mack chega à conclusão de que o bilhete é de Deus muito cedo. Foi, literalmente, o segundo palpite dele. E ele logo de cara aceitou isso, sem questionamento algum. Eu, se recebesse isso, pensaria logo em alguma brincadeira de mau gosto, e ignoraria. Mack o que faz? Sim, você adivinhou, obedece o bilhete. Chame-me de cética e descrente, mas no mundo em que vivemos hoje, infelizmente, meu primeiro impulso seria de achar que o bilhete vinha de algum assassino, ou que se trata de algum golpe, na melhor das hipóteses. Mas OK, vamos com Mack. Ah, sim. Não posso deixar de comentar que ele arquiteta tudo para chegar até a cabana, e pede o jipe de seu amigo Will para ir até lá. Sério? O autor se colocou dessa forma nada sutil no história? Ridículo! E ainda mais, o cara também acredita piamente em Mack que o bilhete veio de Deus.

E, chegando à cabana, Mack tem mais uma surpresa ao descobrir que Deus, Jesus e o Espírito Santo não são nada do que ele havia imaginado. Previsível. Deus se apresenta como uma negra escrava que trabalhava na cozinha. Jesus aparece com aparência árabe, o que causa extrema surpresa a Mack. Sério? Amigo, Jesus viveu na Palestina. Você por acaso já viu o povo que vive lá? É surpresa? Pessoas, a imagem de Jesus loiro, com abundantes cabelos cacheados, barba bem feita e impressionantes olhos azuis são uma invenção ocidental, criada na Idade Média, refletindo o povo europeu. E o Espírito Santo aparece como uma mulher oriental, com roupas diáfanas que não tem forma definida. Ela parece etérea, e é muito enigmática. Dos três, o melhor é Deus, com certeza. Esqueci de um detalhe que achei pra lá de piegas: Mack chama Deus de Papai (em inglês, provavelmente está Daddy). Então, somos todos crianças de 5 anos? Para constar, meus alunos de 7 anos não chamam seus pais de papai. Infantilização desnecessária e patética.

Como eu disse, Deus é o melhor, Isso porque é o que tem mente mais aberta, e oferece as observações mais bacanas. Jesus é plácido, mas esse faz o papel daquele pastor evangélico (de novo, eu respeito qualquer crença. E ele pode ser projetado também nos padres, pra falar a verdade) que quer porque quer provar que a única crença válida é a crença no amor de Jesus. Não. Mil vezes não. Para os judeus, por exemplo, Jesus é só mais um profeta. Todo o dogma deles é errado? Hindus veneram Shiva e Ganesha há milênios. Quer dizer que todo o sistema intrincado de crença deles está errado?

Deixe eu esclarecer algo. Ele até fala que todas as religiões, judaísmo, budismo, islamismo, catolicismo, todas são manifestações de Jesus, Mas que só através da crença em Jesus é que se pode encontrar liberdade. Mas uma liberdade alcançada através da obediência cega a Jesus (sim, como eu disse, até Deus deve se submeter a Jesus). Deixa eu rebater essa contradição com um vídeo:


Para quem não entendeu, Loki não está falando de liberdade, mas de ditadura. "Este não é o seu estado natural? Vocês nasceram para ficar de joelhos." E a mensagem no final do vídeo vem bem a calhar. Se você ainda duvida, eu recomendo que leiam de novo 1984. Peraí, Fernanda, você está comparando Jesus com um tirano?Não. Mesmo porque o Jesus que eu conheço não é tirânico, muito pelo contrário, é tolerante. Mas acontece que certas correntes da Igreja (e isso em mais de uma, não só evangélicas, mas a própria religião católica) acreditam nisso. Sem mencionar isso, claro.

E o livro não esclarece nenhuma das grandes perguntas que promete: Se Deus é tão bom, por que me faz sofrer tanto? Por que deixou que minha filha de 6 anos fosse assassinada brutalmente? É um livro raso, vago, e, embora não seja classificado como um, é um livro de auto-ajuda. E não é dos melhores (Um dia daqueles é mil vezes melhor, e só tem praticamente fotos). Como eu disse, é doutrinador demais, parte do ponto de vista do autor, que aqui vale mencionar que é filho de missionários, que passou a infância numa tribo de índios no Canadá (fazendo o quê? Doutrinando os locais e dizendo que a única forma de salvação é pelo Evangelho. Não. Mil vezes não. Isso é uma violência das mais cruéis, e um desrespeito à cultura alheia).E, para um livro de auto-ajuda, para mim, pelo menos, não ofereceu muita. A não ser pelo que ele fala do perdão. E isso porque é uma coisa que tem a ver comigo, e que eu venho tentando exercer já há alum tempo.

Para finalizar, para mim, o que interessa eu deixo nas palavras de Jen, em sua despedida de Dawson´s Creek:


"O que importa não é se Deus existe ou não. O que importa é que você acredite em algo, e essa crença a manterá aquecida durante a noite."

É isso. Nisso que eu acredito. E se você gostou do livro, peço para lembrar que isso é a MINHA opinião, que eu tenho todo direito a ela, e que respeite o meu ponto de vista.

Trilha sonora

One of us, da Joan Osborne é óbvia (e confesso que me pergunto a mesma coisa. Intolerantes, prestem atenção na letra); e Please, do U2.

Se você gostou de A Cabana, pode gostar também de:

  • As Crônicas de Nárnia - C. S. Lewis.

2 comentários:

Jéssica Soares disse...

Oi, Fê! Tudo bem?
Eu confesso que dei umas boas risadas aqui com a sua resenha viu hehe Eu tenho "A Cabana", mas até hoje não empolguei para ler o livro justamente pelo aspecto auto-ajuda. Além disso, tudo que trabalha explicitamente com a religião cristã me deixa com um pé atrás. Eu creio em Deus, falo que sou católica mais pela força do hábito, mas não admito a intolerância religiosa muito menos quando ela vem disfarçada (como parece que acontece nesse livro). É uma mania de exaltar Jesus e enxergá-lo em qualquer outra religião para justificar a existência da diversidade que me incomoda profundamente. Outro ponto que não curti saber foi essa história de chamar a depressão como Grande Tristeza. Concordo muito com você em relação a esse aspecto, é de uma mancada feia lidar com a doença assim. Não sei quando irei fazer essa leitura, mas caso faça, terei zero expectativas.
PS: é bom ver você de volta no blog, resenhando :) Bjão
Jess

Fernanda Cristina Vinhas Reis disse...

Oi Jess!

Você disse tudo: intolerância religiosa disfarçada. Até tem bastante coisa bacana no livro, mas no fundo o cara quer mesmo te converter pra seja lá qual religião dele. Sabe aquela ciisa de Testemunha de Jeová, que passa de porta em porta? Não tenho palavras para dizer o quanto isso me irrita. Afinal, tenho as minhas crenças, sou batizada e crismada, mas não sou religiosa. O que não quer dizer que eu seja descrente, e também não vouz de porta em porta tentando convencer os outros das minhas crenças. O que dá a eles então esse direito de invadir mibha privacidade?

Obrigada pelo comentário e pelo apoio, significam muito pra mim.

Beijo!