Apresentando um dos personagens mais famosos da literatura, Jean Valjean – o nobre camponês preso por roubar um pedaço de pão – Os Miseráveis (1862) consta entre os maiores romances de todos os tempos. Nele, Victor Hugo leva os leitores às profundezas do submundo de Paris, os imersa na batalha entre o bem e o mal, e os carrega para as barricadas durante a revolta de 1832 com um realismo empolgante que é insuperável na prosa moderna. Dentro de sua história dramática há temas que capturam o intelecto e as emoções: crime e castigo, a incansável perseguição de Jean Valjean pelo Inspetor Javert, o desespero da prostituta Fantine, a imoralidade do bandido Thénardier e o desejo universal de escapar da prisão de nossas mentes. Os Miseráveis deu a Victor Hugo uma tela onde ele retratou sua crítica dos sistemas político e judicial franceses, mas o retrato que resultou é épico – um espetáculo extravagante que deslumbra os sentidos ao mesmo tempo que toca o coração.
ATENÇÃO! POST LONGO E COM POSSÍVEIS SPOILERS!
Por onde começar? Em primeiro lugar, dizendo que não acredito que demorei tanto para ler esse livro. Não estou falando do tempo que levei para terminar (mais um menos 3 semanas), mas porque levei 30 e alguns anos para pensar em ler. Muita gente já havia me falado que é muito bom (isso é dizer pouco) e que valia a pena ler. Mas meu exemplar tem 3 volumes bem grandes, pesados, fazendo um total de quase 1500 páginas. E, apesar de não me intimidar com o tamanho dos livros (Hello! Li 2 vezes – e pretendo reler muitas mais! – As Crônicas do Gelo e do Fogo!), me dava um preguiça-monstro de ler. Nem tanto pelo tamanho, mas eu tinha medo que a linguagem seria arrastada e difícil de ler. Não poderia estar mais enganada. A linguagem é fluida, fácil de ler. E com a proximidade da estreia do filme, resolvi ler.
O que dificulta um pouco a leitura são as inúmeras digressões que o autor faz. Nenhuma delas é gratuita, todas tem uma finalidade, explicam algo, mas cansa e a gente se pega pensando onde isso vai dar, e torcendo para voltar logo para a história. Vou citar duas que me chamaram bastante a atenção. A primeira, no começo do meu segundo volume, há uma de umas cinquenta páginas ou mais sobre um convento de Paris, como as freiras viviam, as alunas do colégio do convento, etc, etc, para explicar que foi neste convento que Jean Valjean se refugiou com Cosette. E mais tarde, já no terceiro, há uma digressão de mais de 20 páginas sobre os esgotos de Paris, para explicar que Jean Valjean escapa da barricada com Marius pelo esgoto. Isso sim cansa um pouco.
Isso posto, vamos à história. Ela começa com a libertação de Jean Valjean das galés, onde cumpria pena de 19 anos de serviços forçados por roubar um pedaço de pão para alimentar seus irmãozinhos. A pena de início não era tão longa (porém ainda exagerada frente ao crime), mas foi se agravando cada vez mais por causa das tentativas de fuga de Valjean. Ao sair, Jean Valjean está determinado a ser mau, exatamente como a sociedade o vê. Ele é amargurado, duro, desconfiado e misterioso. Não tem muitos escrúpulos e rouba mesmo. Mas isso só até que encontra o Bispo Bem-Vindo, bispo de um cidadezinha do interior da França que faz questão de praticar o que Jesus pregou: vive com o estritamente necessário, doa todo o dinheiro que lhe sobra para os pobres, e ajuda a todos, independentemente de serem bons ou maus. Esse bispo acolhe Jean Valjean quando este passa pelo lugarejo, e depois de todas as estalagens do local o terem recusado, só pelo fato de ele ser um forçado. Só que Jean Valjean, ainda orgulhoso demais para reconhecer a bondade (até porque nunca conheceu isso na vida) e acaba roubando o pobre padre. Só que as palavras do bispo entram fundo na consciência de Jean Valjean, que a partir desse momento, decide se tornar bom. E ele é mesmo. Acaba fazendo fortuna, mas doa boa parte, ajuda muita gente e acaba até se elegendo prefeito. Tudo sob um nome falso, de Madeleine, para ocultar o fato de ser um forçado. Seu coração, porém, ainda é duro e distante, não se apegando a nada nem ninguém. Mas isso muda mais pra frente.
A única pessoa que Jean Valjean não consegue ajudar é Fantine. Ela é uma prostituta (será? Na sinopse lá em cima, que eu traduzi do goodreads.com diz que sim, mas no livro, não parece. Confesso que no início eu pensei que sim, mas depois fiquei em dúvida, e já explico porque) que acaba engravidando de um riquinho qualquer, que a abandona sem um tostão furado, e com uma filha para criar. A filha é Cosette, a quem Fantine tem que abandonar com uma família estalajadeira, os Thénardier, ainda bebê por não ter como conseguir emprego sendo mãe solteira. A cena é de partir o coração. E guarde o nome de Thénardier. Fantine, depois de deixar Cosette com eles, parte para a cidadezinha (desculpem, mas os nomes são complicados,e não decorei) onde vive Jean Valjean, e consegue emprego em sua fábrica. E consegue se manter e enviar sempre uma boa quantia para os Thénardier para cuidarem de sua filhinha. Esqueci de dizer que para Fantine, esse arranjo é temporário, ela tem intenção de reaver a filha quando tiver condições. Só que a sorte não é muito amiga de Fantine, e as coisas saem terrivelmente errado, e ela tem mesmo que se prostituir para se sustentar. Tenho que dizer que dos muitos personagens miseráveis do livro, ela é de longe e mais miserável. Sim, Jean Valjean sofreu o diabo nas galés, foi muito injustiçado, mas ele conseguiu dar a volta por cima. Já Fantine não. (SPOILER) Ela morre na mais absoluta miséria. Mas em seu leito de morte, ela faz Jean Valjean prometer que irá tomar conta de Cosette.
Cosette, em poder dos Thénardier, sofreu muito também. Desde muito pequena foi feita de empregada dos Thénardier, passava frio, pois não lhe davam roupas, e fome, porque não tinha o suficiente para comer. E ainda apanhava da mulher, quando demorava com a água, ou não fazia o trabalho direito. E veja bem que ela só viveu com eles até os 8 anos. Por consequência, Cosette era pequena e muito magra para a idade. E muito séria também, pois não era permitido que ela tivesse um momento de felicidade. Por outro lado, as filhas do casal, Éponine (guarde esse nome) e Azelma eram muito mimadas. Nem o filho do casal ganhava tanta atenção, especialmente da mãe. Mas ao conhecer Jean Valjean sua vida muda, e ela começa a viver como uma criança normal. É doce, muito devota, alegre, e muito inocente. Cosette é o raio de sol do livro, o ponto de leveza. E responsável por derreter e encher de alegria o coração de Jean Valjean, pelo menos por um tempo (daqui a pouco explico).
Cosette, logo que é resgatada por Jean Valjean é obrigada a fugir com ele, porque ele ainda é um condenado. E porque em seu encalço está o incansável Inspetor Javert. Javert nasceu na prisão, de mãe cigana, e por isso mesmo detesta e despreza tudo que rompe com a lei. Para ele só existe isso, é a forma que ele achou para se redimir de seu nascimento. Ele ocupa um alto cargo nas galés onde Jean Valjean cumpriu sua pena, e encara as tentativas de fuga do último uma afronta. Principalmente quando vê que Jean Valjean, na pele de Madeleine conseguiu se evadir novamente e vive uma vida normal e até é respeitado. E quando Jean Valjean foge novamente, Javert toma para si a tarefa de encontrá-lo. Porém, antes do fim, Javert se vê em dívida com Jean Valjean, e terá que mudar de opinião.
Thénardier também é outro perseguido por Javert. Por toda a polícia, na verdade. Thénardier é o dono da estalagem onde Fantine deixa Cosette, mas é ambicioso. Vive das glórias conseguidas de modo duvidoso em Waterloo, e quando Fantine aparece com Cosette, vê nisso uma oportunidade de ganhar dinheiro. Mas isso até que Jean Valjean chega e leva Cosette, não sem antes acertar as contas (nem todas em dinheiro) com ele. Nasce aí um ressentimento que vai durar muitos anos. Thénardier foge para Paris, onde vive de dar pequenos golpes, que não tardem a crescer e virar homicídio. Para seus golpes, ele conta coma ajuda das filhas, Éponine e Azelma. Azelma é mais passiva e aceita tudo que o pai impõe sem reclamação. Já Éponine tem língua afiada, é esperta e a única pessoa a enfrentar o pai (fora sua mãe, que é tão horrível como ele). E Éponine em certo sentido até puxou o pai. Mas suas ações são motivadas não por dinheiro, mas por amor.
Alvo da adoração de Éponine é Marius, jovem rico que renuncia à fortuna e à convivência com o avô, Gillenormad, porque este é monarquista, diferente de Marius. Assim, Marius acaba morando ao lado do pardieiro em que vive Éponine e sua família, mas também acaba sendo vítima dos golpes de Thénardier. E, depois de saber que este último salvou seu pai em Waterloo, tem para com ele uma dívida. O que o divide, porque percebe logo que Thénardier é um vigarista. Só que Éponine só percebe que é apaixonada por Marius quando é muito tarde. E na verdade isso não faz muita diferença para ela, porque Marius só tem olhos para Cosette e nem percebe que Éponine o adora.
Marius é introspectivo, tímido, mas determinado. Quando coloca na cabeça que quer fazer algo, vai atrás. E também é orgulhoso, como mostra o seu relacionamento difícil com o avô. É um tanto melancólico também, mas isso muda a partir do momento que aparece em sua vida Cosette. O amor dos dois é tão puro, tão inocente, e muito bonito.
Falta destacar Gavroche, filho também de Thénardier, mas desprezado pelos pais, ganha as ruas de Paris, onde vive como pode. Mesmo assim, Gavroche é um menino feliz, generoso e também com língua afiada. E também Enjolras, amigo de Marius que comanda a revolta na barricada.
A história de todos esse personagens acaba se misturando em um ponto ou outro do livro. A narrativa com eu falei, é fluida, a história é envolvente e emocionante, prende a gente, o personagens são apaixonantes e dão saudades quando a gente termina o livro. Recomendadíssimo.
Nota histórica
Boa parte da narrativa se passa durante e Restauração Francesa, período que vai de 6 de abril de 1814 a 29 de julho de 1830. Nesse período, foi restaurada a monarquia na França, com a dinastia Bourbon no trono e o restabelecimento da Igreja Católica como pilar do poder político. Leia mais em Restauração Francesa – wikipedia
Trilha sonora
Confesso que não pensei em nenhuma até a parte final do livro, porque considerei as músicas do filme mesmo (que vou listar daqui a pouco), mas durante a barricada, me ocorreram algumas (sob a pena de ser assombrada pelo fantasma de Victor Hugo, não pelas músicas serem ruins,o que não é o caso, mas ele teria um ataque). Em primeiro lugar, Long road to ruin (let´s say we take this town, no king or queen of any state), depois Uprising, do Muse (they will not force us, they will stop degrading us, they will not control us, we will be victorious) e We are, da Ana Johnsson (it´s not about power, but taking control, breaking the will and raping the soul). Do filme (eu não vou listar todas, mas algumas), I dreamed a dream, On my own, Who am I, At the end of the day, A heart full of love e Javert releases prisoner 24601 on parole.
Se você gostou de Os Miseráveis,pode gostar também de:
- Os três mosqueteiros – Alexandre Dumas;
- O conde de Monte Cristo – Alexandre Dumas;
- Os trabalhadores do mar – Victor Hugo;
- O último dia de um condenado – Victor Hugo;
- Guerra e paz – Liev Tolstói
(só li o primeiro, mas os outros foram indicação do skoob)
Beijos e até o próximo post!
5 comentários:
Oi, Fê! :) Estou doida pra ler o livro e assistir ao filme. Nessa ordem. Vou procurar uma versão bacana em algum sebo, mas enquanto não consigo, acho que vou ler o ebook que baixei. Será minha estreia com livros digitais rs.
A resenha me deixou com mais vontade ainda de ler. Mal posso esperar.
Ah, você me perguntou sobre kindle e kobo, acho que vou comprar um kobo. Andei olhando as comparações dos dois e o kobo me pareceu melhor.
Beijos.
Ná.
Oi Nádia!
O livro é muito bom, muito bom mesmo. Amei! Tomara que você consiga ler antes do filme!
Eu estou só esperando meu kobo chegar para testar o ebook. Também me pareceu, pelo que minha irmã me falou, que o kobo oferece mais vantagens: aceita mais de um tipo de arquivo, você pode comprar os ebooks em qualquer loja que venda e não só em um lugar...Me pareceu melhor também.
Beijos!
Fê
Feeeee... esse é meu livro preferido!! Passei muito tempo tentando encontrar um para ler e quando liv, desfrutei de cada página... nunca me esqueço de um capítulo no qual o autor compara o forçado a um tripulante que cai de um navio e nunca mais consegue se aproximar, por mais que se esforce, assim como o forçado que mesmo deixando as galés nunca mais conegue voltar para a sociedade...
Estou louca para ver o filme, acho que vai ser de arrasar!!! É uma história maravilhosa, e como diz um pastor que eu admiro muito, Ricardo Gondim, "nunguém deveria morrer sem ler Os Miseráveis"!!!
Oi Fê amei a dica, gosto muito de livros do gênero mas não estou encontrando em nenhum site nos quais eu costumo comprar livros, tem aparecido edições com 164 pgs. Mas vou continuar procurando.Obrigada pela linda resenha. Abs. Dani
Oi Dany!
O livro é excelente mesmo, vale a pena. Tenta procurar em algum sebo, quem sabe você não acha?
Obrigada pelo comentário!
Beijos!
Fê
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